miércoles, 5 de octubre de 2016

Ronald Augusto, Poemas - Brasil



La poesía puede devolvernos ciertos rituales que fueron reino, hace muchos siglos, de lo contemplativo que ahora, casi, agoniza. Me imagino a Ronald sentado a  la orilla del mar, fiel secretario de los rumores de toda esa inmensidad. Lleva el dictado con paciencia y luego escribe notas que pueden ser llevadas por los pájaros a los cuatro puntos cardinales. Sorbo el éter lluvioso,/endomingado de pasado. Me dice una de las aves que llega a posarse en mi ventana, frente a otra infinidad del mar.
Al leer estos sutiles textos no puedo dejar de recordar al poeta hondureño Nelson Merren en su poema Paisaje con un tronco podrido, y hago el silencio necesario para lograr la conjunción de estos poetas que dialogan desde distancias temporales lejanas y profundas. Cada vez que respira,/ el mar lo mueve un poco,/ lo tira más allá,/ luego lo trae,/ y lleva horas en esto.  Es lo que dice Nelson Merren para que Ronald Augusto le responda :

Vagas espurcas como um cuspo que retroagisse
às cercanias profundas, acaso indiferentes.               


Vagas y sórdidas como un escupitajo que devuelven
las cercanías profundas, acaso indiferentes.

Es como si, luego de leer lo que las aves trajeron, uno pudiera acercarse a las olas y pronunciar palabras que, al otro extremo, en otra orilla, un poeta recogiera con su sonido nuevo y ondulante, llenas de nuevos significados, de vida que renace desde el mar.

Menear de árvores no quintal
vizinho.  
               A tarde rastela ramos,
mas é como se fizera um favor
convidando o vento a embaralhá-los.
Engelha o próprio engenho nesses galhos
que não quebra apesar de tanto esforço.
Dobra o nó da ramagem em noite prévia,
essa sombra que emerge do chão úmido.
Frescor que sabe à morte, sal.  
                                                       Fermentos,
friúme de ser craca e escara
na formosura desse arranca-tronco,
cujas raízes unham o vão profundo.

*

Sequer em meio à noite escura,
onde se apaga tudo a que me apego,
se cala o simulacro do espelho.
No salão vazio,
cerrado na moldura ovalada,
vislumbra-se, intermitente,
o braseiro de uma constelação,
remota a ponto de não discernir
os flagelos e as delícias dos homens.

*

No alívio da cozinha branca
(silêncio que não desaba),
graças ao pouco inox que contém,

enquanto o notebook,
numa espécie de crepitar minúsculo
resmunga durante o desligamento,

o sono se entranha e paraliza (metáfora-ademirdaguia
segundo a lâmina pernambucana) e
paraliza meus músculos.

*



O nervo surrado roça o flanco recurvo e enubla-se,
seu aceno corresponde a uma indagação.

Sorvo o éter chuvoso, endomingado
de tempo passado.

*

Esse timbre encardido do mar vazante,
                                                               anzolado.
Vagas espurcas como um cuspo que retroagisse
às cercanias profundas, acaso indiferentes.               



1
às vezes
a onda se forma
rasteira        como se
uma corda grossa
fosse
esticada de chofre




2
sorrateiro o montículo de areia desaba
tão logo vem a mosca pousar nele


3
ipásia em gamboa
a nuca e as ancas em meio à espuma

as ondas se dobram
reparo em seu rosto que vem à tona


4
reserve-se a soledade, coloque-a
de lado junto com tantos cuidados

a salsa ondina cinza ao pé da tarde
seguirá mordiscando calcanhares

mesmo que me abandonem esses cantares
tomados ao olvido que marulha,

a retro, infinidades de outros mares




Ronald Augusto (1961) é poeta, músico, ensaísta. As principais temáticas presentes em seu repertório intelectual referem-se à poesia contemporânea e à vertente negra na literatura brasileira. Atualmente Ronald Augusto realiza palestras e oficinas/cursos abordando assuntos como música, poéticas contemporâneas, literatura negra e poesia visual. Entre 2007 e 2012 manteve ao lado do poeta Ronaldo Machado a Editora Éblis, voltada para a poesia. De 2009 a 2013 foi editor associado do website WWW.sibila.com.br. Tem colaborações (resenhas e artigos de cultura e arte) nos cadernos Cultura do Diário Catarinense e do jornal Zero Hora. Publicou, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de Costas (2012), Oliveira Silveira: poesia reunida (2012), Decupagens Assim (2012) e Empresto do Visitante (2013). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blgspot.com  e é colunista do site http://www.sul21.com.br/jornal/


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